31. outubro . 2023

O Marco Legal das Garantias e sua aplicação ao mercado imobiliário

Foi promulgada a Lei nº 14.711/2023, que introduziu no sistema jurídico o marco legal das garantias. A nova lei tem foco na introdução e atualização de regras sobre as garantias e as medidas extrajudiciais para recuperação de crédito. Estas inovações devem impactar diretamente o mercado de crédito imobiliário, pois flexibilizam o uso de imóveis como garantias de dívidas e facilitam a execução destas pelos credores quando se verificar a inadimplência.

Uma das principais alterações trazidas pela legislação é a possibilidade de que um mesmo bem imóvel seja dado como garantia em mais de um contrato de concessão de crédito, por meio de alienações fiduciárias sucessivas e limitadas ao valor integral de avaliação do imóvel, nos termos do §3º incluído no artigo 22 da Lei n 9.514/97.

O instituto ficou conhecido como alienação fiduciária de 2º grau e sua eficácia dependerá do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída. Caso a garantia precise ser executada, as alienações fiduciárias anteriores terão prioridade sobre as mais recentes e o valor obtido com a venda do imóvel será utilizado para quitar as dívidas registradas primeiro.

Para o credor fiduciário que quitar integralmente a dívida do devedor, garantida pelo imóvel, a legislação prevê que ele assumirá os direitos fiduciários dos demais credores, sub-rogando-se no crédito e na propriedade fiduciária em garantia.

Nas operações de crédito garantidas pela alienação fiduciária de 2 (dois) ou mais imóveis, na hipótese de não ser convencionada a vinculação de cada imóvel a uma parcela da dívida, o credor poderá promover a excussão em ato simultâneo por meio de consolidação da propriedade e leilão de todos os imóveis em conjunto, ou em atos sucessivos, à medida do necessário para satisfação integral do crédito.

Essa é uma atualização importante da legislação, haja vista que a excussão de uma das garantias não mais conferirá quitação ao todo da dívida, conforme era a previsão original da lei. Era comum as operações de crédito garantidas por mais de um imóvel serem desmembradas em tantos títulos de dívida quanto fossem os imóveis garantidores, de forma a evitar que a execução de um desses imóveis garantidores funcionasse como quitação ao restante da dívida.

Em relação às demais mudanças realizadas na Lei nº 9.514/97, foram implementadas menções expressas à figura do “terceiro fiduciante”, ou seja, aquele que dá o bem em garantia à dívida do devedor. Também foi incluído o §11 no artigo 27, o qual prevê que “os direitos reais de garantia ou constrições, inclusive penhoras, arrestos, bloqueios e indisponibilidades de qualquer natureza, incidentes sobre o direito real de aquisição do fiduciante não obstam a consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário e a venda do imóvel para realização da garantia”.

Neste caso, os titulares de eventuais constrições ou gravames posteriores à constituição da garantia fiduciária somente se sub-rogam à percepção do saldo que eventualmente restar do produto da venda, não mais podendo impedir a execução da garantia fiduciária já existente.

Também é relevante a inclusão do parágrafo único do artigo 30 da lei nº 9514/97 para dispor que, em caso de arrematação ou consolidação definitiva da propriedade, as ações judiciais que tenham por objeto (i) controvérsias sobre as estipulações contratuais ou (ii) os requisitos procedimentais de cobrança e leilão não obstarão a posse do fiduciário e serão resolvidas em perdas e danos.

A nova lei criou a figura do agente de garantia, previsto expressamente no artigo 853-A do Código Civil, o qual será designado pelos credores e atuará em nome próprio e em benefício daqueles. A figura do agente de garantias é um serviço já prestado por empresas de custódia de ativos, mas não possuía tratamento legal específico. Os serviços desempenhados por esses agentes englobam a administração e monitoramento das garantias constituídas, com poderes para também gerir e executar a garantia.

Foram modernizadas as disposições acerca da hipoteca (artigos 1.477, 1.478 e 1.487-A do Código Civil), destacando-se a possibilidade da sua execução extrajudicial, o que não era possível. Esta é uma matéria inédita no ordenamento jurídico, de forma que o Capítulo III da Lei nº 14.711/2023 é dedicado à execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca, valendo-se dos mesmos procedimentos adotados na execução da garantia fiduciária, com as adaptações cabíveis.

O Marco Legal das Garantias promove o incentivo à renegociação de dívidas, ao permitir que o credor faça proposta de desconto por intermédio de tabelionatos de protesto. Com comunicação por carta simples, correio eletrônico ou até mesmo aplicativo de mensagem instantânea, como WhatsApp, o tabelião deverá informar ao devedor sobre a proposta e, somente caso não seja aceita, o comunicado será convertido em indicação para protesto.

Por fim, a nova lei também dispõe sobre o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária, a emissão de prova de vida pelos ofícios de registro civil de pessoas naturais, o resgate antecipado de letra financeira, a alíquota de imposto de renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificados que envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior e o procedimento de emissão de debêntures.

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Escrito por:

Andrea de Paiva Penna 

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